domingo, 28 de fevereiro de 2010

Amigo da onça

Amigo da onça.
Sim, sou um amigo da onça
Por não dizer a verdade.
Mas tu, por não ma deixares dizer,
De garras desembainhadas...
Sim, evito-te, escondo-me
Por me perseguires
De desejo de sangue
Espelhado nos olhos brilhantes.
Sim, sou o teu fiel amigo.

Eu durmo na lama do lago
Tu no mais cimo das árvores.
E quando te vejo descendo
E ataco mordendo de repente
Surgido das aguas turvas
É só para afugentar os caçadores
Que te querem caçar, tantos.

Porque se um dia morreres,
Eu vou chorar lágrimas de crocodilo
Porque te estimo e confio
Nas cores sorrateiras do teu pelo.
Se te fizerem mal, onça,
Por seres minha amiga,
Vou chorar enterrado
Só, no fundo do nosso lago.

Sou teu amigo, onça.

Dança da chuva


Sabem os pingos de chover
Por onde seu caminho cai?
E se os desvia o vento
Por ser cego e nada ver
Onde o pingo sabe que vai?
Que pedaço de ar é mais lento
Se o ar é transparente?
E se for o vento tão forte Que os leva horizontais
Que esperar outra sorte Podem os pingos, vendavais?
Terá a chuva escolha de condensar
De se atirar, de curvar ou tardar
De escolher o manto de um prado?
Tem a chuva direito ao agrado?
O que tem um pingo de vida
Se não o aroma dos ares
Se não a paisagem da descida
Se não o desejo de um destino
Onde haja leves pousares?
O “poder” é tão pequenino.
É desmanchar nos telhados do chão
De um prédio que não escolhe __
|□ □|er|□ □|| □|temp|□ □ |molhe|□ |
|□ □|nã|□ □|| □|dize|□ □ |ue nã|□ |
|□ □|os|□ □|| □|po|□ □ □ □ |nos|□ |
|_□_|ma|___||_□|se|________|céu|__|

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Sempre há coisas que correm mal. Por correrem mal, de vez em quando tropeçam e todas as coisas atrás dela tropeçam também, correndo daí em diante tudomadspruitnca ner hht jdfmh gas qe ro asop asop a sgh ashgsadhgfh jhasdfgfsa dsasdfbfbng
O que seria atirares-te, pai

Da noite, pai, à ponte, ao rio.

Encontrar-te-iam, encontrar-te-iam dois dias depois
Encalhado entre um ramo e um rochedo.

Pulando do cimo da ponte, pai, o bolso rompendo
Das pedras que foram as paredes da nossa casa
Da nossa casa pai, que desabaste com os punhos.

Encontrar-te-iam só dois sóis depois
Porque estorvavas a passagem de uma canoa.
Terias tantas rugas, tão fundas, é a água correndo
Há tanto tempo pelos caminhos da tua cara
Desde que a casa se desmoronou e o passado com ela.

Pai, nunca pules da ponte, pai, promete.
Pensa em nós, aqui deitados sob o cobertor da neve
Nos escombros da nossa casa, dentro dos restos da lareira
Nunca pules porque seria frio insuportável.
Podes pular, pai, podes pular por alegria,
Podes pular por aventura e por orgulho mas tristeza,
Por tristeza não dês um passo mais, tu que deste tantos
Só porque não queres fugir dela, pai, tu que derrubaste também a casa.

Porque, pai, já passaste a ponte para lá?
Já viste o que existe na outra margem?
Não, pai, sei que nem olhaste
Os teus olhos há muito desfocados
De chorares não vêm dois palmos
Não se lembram da cor do sol.
Pai, ser feliz é possível, escuta o rio
Escuta-nos, cheira a neve, vês o frio e a pele de galinha?
Ouves o murmúrio dos ramos nus?
Não chores por não te brilhar a vida
Se és tu quem com as mão tapas os olhos,
Não chores pai, chora para sentir, mas não chores.
Pula da ponte, sim, pula para nadares calor rio abaixo.

Mas dizer que te deixámos sozinho, pai.
Pai, isso dói muito, entendo que te custe
A crosta do sangue das paredes nas mãos,
Mas nunca te deixámos, pai, lavamos-te as mãos
E sangram as nossas por te achares abandonado, pai.
É que, pai, quando nos congelam as pontas dos dedos
É difícil tentar aquecer o teu coração
É difícil confortar-te com os lábios rebentados
É difícil abraçar-te se nos pendem os braços.
Percebe, pai, ninguém te deixa só, pai
Mas destruíste a casa e fugiste dela,
Não sabemos para onde, e nós esperamos nos escombros,
E gritamos por ti, para que voltes
E tu gritas que nunca hás-de voltar, pai, queres viver a tua vida.
E depois choras a tristeza e a solidão que defendes diariamente
Por tas tentarmos rachar
Afinal o que é que queres, pai?
A porta da nossa tua casa está sempre aberta
Corre sempre o vento impiedoso
Se não voltares, almoçamos contigo como sempre
O jejum amargo da tua mesa.

Mas nunca te atires, pai, não estás só, eu dou-te agora um abraço. Olha, sente-o. Apesar da lápide entre nós, sente o que te amo por seres meu pai. Sentes o meu beijo na tua barba rala, que me picava quando eu era pequenino? Sentes o meu beijo na fotografia da tua casa no cemitério? Nunca te atires pai. Enlouquecia se morresses, tal como tu ensandeceste e depois...
Ai é?
Então já que dizemos as verdades depois deste tempo todo
Digo-te, Sebastião,
Que o Sebastião Júnior não é teu filho.

Sebastião,
A tua mãe contou-me que não és meu filho.
Por isso, não tenho nada para te dar.
Desaparece-me daqui.

Mãe, o meu pai é Deus e não foi ele que te fodeu.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Escadas

Altrui$mo

No dia em que vi um menino
De pele colada ao osso
Partilhando um bolo já duro
Com um cão doente seu amigo
Decidi ser voluntário.
Vejam, ele é voluntário!
Doei toda a roupa que tinha
E comprando comida era dobro
Medicamentos que me pediam
Entre esgares de gestos trémulos.
Vejam como ele é bondoso...
E ascendi no centro de voluntariado
Pelo sacrifício da dedicação
Escrevi pedidos aos jornais
Sensibilizei na televisão
Vejam, ele aparece na televisão
E um dia em que encontrei um sem abrigo
A horas desertas da noite
A porta de minha casa
Só me lembrei de o enxotar.