quinta-feira, 29 de julho de 2010

I will save your life

Venho sentar-me na calçada
Sob tua varanda, o luar.
E vejo-te de face pousada
(Face nívea por pintar
De maçã de rosto rosada)
Na palma estendida da mão.

Sentada sonhando à janela
Como será ter salvação
De ver estrelas a passar
Sem voar num braço dela.

Ouço-te astro a suspirar
A ver céu tão apagado
De halo num quarto fechado.

Posso escapar-te à prisão?
Deixa-me amparar-te o salto
Deixa-me levar-te constelação
Ao céu onde és lá do alto.
Para que possa anoitecer,
Para guiares navegadores
Para que a luz se volte a ver
Vinda do escuro onde fores.

De olhos redondos enormes
Querer mais ver, vê-me a mim.
Entrarei enquanto dormes
No odor doce de em sorriso.
Por favor acena que sim
Salva o céu de ser só liso.

Deixa-me salvar-te a vida.
Desce de ruivo agarrada
A nós de cabelo prendida.
Fujamos sem volta marcada.

Deixa-me salvar-te a vida.
Corramos sobre o limiar
Entre o céu e laranja mar.

Vem salvar-me.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Querio diário

Sempre que marco o diário
Com ontem-claro de tinta
O vento vira-me a página.
E eu sento-me ao contrário
Para que o vento não sinta
Que vou viver esta página.

Mas ele matreiro dá conta
E leve vestido de brisa
Vem uivar de outra ponta.

Então escondo-o na camisa
Amarrado entre os braços.
Não vou repassar o passado
Não vou repisar estes passos
Com tanto a ser caminhado.
Vou desfrutar deste vento
Vou sorvê-lo todo, violento.

Ele torna num urro investindo
A roupa ao corpo m'arranca.
Não! Guardo esta folha franca
Fechada na força da mão.
Ele rompe insiste investindo
Cravo-a na rocha do chão.

Nem que derrotes o mundo
Nem que lhe rasgues raiz.
Não vou atrasar um segundo
A folhas deste caderno.
Eu escrevo o que ele diz
Eu entorto-lhe as linhas
Eu encaixo-lhe o esterno.
Nem uma vírgula nem ponto.
Não quero memórias já minhas
Nem o final deste conto.

domingo, 25 de julho de 2010

Sou as mangas desfeitas
Da camisola que trago.
Sou aspas inperfeitas
De um sonho tão vago.
Sou o cerne de um engano.

Sou o labio defeito
Desta face que uso.
Sou a cama que deito
Num passeio obtuzo.
Sou a nódoa de um pano.

O borrão de um retrato
De um nobre fulano.
Sou as azas de um pato.

Sou os erros que sou
Por errar eu assim
Só perdido onde vou.
Sou o orgulho de min.
Quarto crescente
Do luar ao deitar
Meia laranja
De sumo a brotar
O sol a pousar
Já de rabo escondido
Arcada de entrada
E um arco da ponte
Virado ao contrário
O perfil de uma taça
Quase a entornar
Uma fonte murmúrios
Uma rede estendida
Em folhas de palmeira
Um monte ao revés
Uma concha sem par
Uma boca arqueada
De cúpido em flecha

O sorriso de um gato
Do país das maravilhas

Lu a

Tens um sorriso inteiro.
Todo o teu ser se sorri
Sem reticência, sem rodeio
Sem ter julgado primeiro
Se se deve, se conveio.

Da largura do rosto.
Do tamanho da lua
Deitado entre as estrelas
A conta-las, a vê-las.
Da brancura do rosto
Que olhando dá gosto
Que sorrias com gosto.

Um sorriso qual lar
Onde é tão bom sentado
Ser-se o sol a passar
No terraço à tardinha.
É um sorriso embrulhado
Numa folha fininha,
Gostas tanto de o dar!

Um sorriso canção
Comichão no umbigo
O cantar de um refrão
A sorrir-te contigo.

O teu simples sorriso.
Um teu céu azul liso.
De sabor de alegria

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Farol

Vem aclarando a madrugada,
Uma sombra atrás do nevoeiro.
E aguardo sem data marcada
O rugido de um barco cargueiro
Ou o remar de uma jangada.

Mas não vejo um palmo de nada.
Caminho afastando a neblina
De mãos estendidas já sem sina.

Quando, navegante encoberta
Quando te farás a este mar
Da tua longe ilha deserta
E tornarás a espera vã
Bom porto para nos atracar?

Volto a esperar-te amanhã.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

TV

Sentado em cima da cama
De mapa à parede colado
Apresento as novas do dia.
Pesquiso as coisas da fama
(Há muito as tenho sonhado)
À câmara montada de ar.

De fato meu pai aprumado
(Longo chega ao joelho)
Conto a guerra a estalar,
O homem que morreu de velho.

De voz ainda tão fina
Sonho ver-me a falar
Em mil visores espalhados
Na montra, numa vitrina.

E leio jornais recortados.

Mal chega a hora jantar
Corro a ver televisão
E presto muita atenção
Ao tom e ao gesticular.

E suspiro saltar daqui
E poder dizer que me vi
Tantas caras por todo o país
A falar aqui, ali, alis.

E podem rir-se de mim
Deste grave gaguejar
Por causa das mangas sem fim
Ou do mapa a descolar.

Que eu vou-me rir também
Porque ao partir já falhei
Parti sozinho, nada bem
Mas pelo menos eu tentei

domingo, 18 de julho de 2010

Cama dupla

Dormiste em cima de mim.
Estendeste-te sobre mim leito
Disposto a ranger assim
E pesaste-me ao corpo tanto
Num quartinho tão estreito
Por nos escombros do escuro
Imaginar o encanto
De me fazeres ao futuro
Ao acordar de manhã.
E noite passei pouco sã.
Bastava estender o braço
Bastava afrouxar persistir
E engolido teria o espaço
Da base cálida das costas
Sopé do morro a cair
Sobre o vale entre as encostas.

Quieto nada ousei.

Quedei-me a contar os minutos
E depois contei as horas
Contei o respirar que demoras
Por ponteiros não resolutos.

E sem te dar conta, contei!

Mas era eu tanto medo
Que sol acordasses cedo
E trouxesses a hora de levantar.
Fiquei a contar-te à espera
Cravado na crença sincera
De sentir tua mão escorregar.

Escorregou só a hora.
De me eriçar despertador
Tempo de trancar o furor
Fazer a cama, ir embora.

(Dormiste em cima de mim.
E pesaste-me tanto o desejo
Que fiquei espalmado assim
A rodar pra encontrar
Outra noite e outro ensejo.
E quando me deito agora
Sinto as costas estalar
Onde te imaginei pousada.
E conto quando demora
Fazer-me a mim, tua cama
Ou correr ao sol que me chama.

Como queria ter dormido debaixo de ti!)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Nas horas de um dia perdi dez dias inteiros.
Segunda - Não crer que o dia vai ser real
Terça - Consciência de que o dia será real
Quarta - O dia será real e eu vivê-lo-hei
Quinta - Deleite pelo prazer que me vai dar o dia
Sexta - Ansiedade porque o dia tarda em chegar
Sábado - DIA
Segunda - Não crer que o dia foi real
Terça - Consciência de que o dia foi real
Quarta - Arrependimento pelo tempo gasto no dia
Quinta - Arrependimento pelo "dia" como um todo
Sexta - Depressão por se perderem assim dias.

Em busca do amor perdido

Sobre o brilho do oceano
A azul e branco pincelado
Cantando marés ao piano,
Bem por cima de um navio
A navegar para outro lado,
Alto à linha do horizonte
A separar os sonhos fio
Do que se ousa crer verdade,
Acima do sol e raios fonte,
Acima de um um céu já sem idade
Voam juntas duas gaivotas
Contra o vento e sem derrotas,
Voam para praias desenhadas
Pelo sabor de imaginar.
Voam de ponta de asas dadas.
E à medida que o céu andam
Riscam suaves brancos traços
Pelas asas que nele raspam
Marcando nuvens e os espaços.

E duas flores emergiam
De entre o seco do areal
E uma à outra se prendiam
Em folhas, frutos e perfume,
E o enroscar amor do caule.
E pelas pétalas baloiçando
Vendo o mar e o inspirando
Esperariam juntas a maré
E rumariam onde ela rume
Pela força de partilhando
De tão firme raiz e da fé
Que só ser uno pode trazer.
Viesse a fúria da tempestade
Viesse o vento ou a maldade
Viesse a sede ou o morrer
Jamais arredariam um grão
Daquele que é o só seu chão.

E eu sentado a ver o amor
Passar a outros, fugir de mim
Procuro odor de uma flor
E visto asas para voar.
Sentando na praia ao fim
Na fronteira entre o sonhar
Sou suspiro e estendo a mão
Pra que me a venham agarrar.

Só sinto a minha pulsação.

Mas quiçá quieto, enterrado
(Só a mão tenho lá fora)
Esse amor mais se demora
A ter-me aqui encontrado.

E se o amor não vem a mim
Tem de ir mim ao tal amor.

domingo, 11 de julho de 2010

"Se lo agradezco a los que siempre me han apoyado, a mis padres, a mi hermano...
"No pasa nada, vamos hablar un poquito del partido y luego lo vamos a
"No..
"No?
"Y gracias a ti

Cuidado!

Nuvens de cinzento violento
Negras do tempo de tempestade
Vêem-se longe d'onde me sento
Num prado de centeio tão plano
Raiando agora, felicidade.

E é pra cá que sopra o vento.

E para prevenir ao engano
A seara curva-se a mim.
Mas eu depeno um mal-me-quer
Desenho uma flor de jasmim
E pouco me interessa o fim
Deste sol quando um raio vier.

Chegou. Um rugido tão cedo!
Sozinho sem pedra esconder
Molhado ao tutano de medo.
Como fugir, não posso correr?

No alto tão claro do verão
Morre-me um mal-me-quer na mão.

passado

Um viúvo senhor sentado
Num banco de pedra e madeira
Lembrando quis voltar ao passado
Quando ouvia à sua beira
O leve rumor de um vestido.
Via o rio véu a descer
Como o braço dela vertido
Tão suave de o percorrer
Que deu uma à outra a mão
E disse amor como então.
Mas ninguém lhe respondeu.

Havia um copo virado
Para baixo na mesa na beira
Quando um tremor descuidado
Se verteu e à água inteira
No chão em estilhaços de fluído.
E ousaram os cacos querer
Voltarem a ver reunido
O vidro a servir de sorver.
Ficaram quebrados no chão,
A entropia disse que não.
Ninguém mais lhe bebeu.

Um viúvo senhor virado
Pra baixo em terra e madeira
Lembrando quis voltar descuidado
Ouvindo a mesa à sua beira
Trepar estilhaços de vestido
Em cacos de o percorrer.
Então deu uma mão ao chão
E o amor repetiu que não.
O passado morreu.

plim

E olhando-me assim
Por espelho de vista
Fitavas-me conquista
De costas para mim

terça-feira, 6 de julho de 2010

Roteiro

Deixei a nossa casa, mãe
(Há tanto tempo me parece).
Saí entre o sangue e a dor
Que, mãe, aguentaste tão bem,
Bastou o querer e uma prece.

E verei, teimoso explorador
Quantos cantos o mundo tem.

Bati a porta devagarinho.
D'onde vinha violento o vento
Foi o ir do meu caminho
Pra que seja árduo o que tento.

E quando mais tarde te tornar
Dia de sol sem nevoeiro
Entrarei sem te chamar
E a teus pés porei, rainha,
A cabeça do mundo inteiro
Um troféu de cada lugar
Que esta minha nau sozinha
Feita em papel dobrado
Há-de olhando conquistado.

E gravarei nosso apelido
No livro do jamais morrido.

Perdi-te (*)

Perdi-te (*) não sei como nem quando
Talvez atrás de um meu armário
Quiçá nas fundas caves do sofá
Ou quando virei o tapete ao contrário
Talvez dentro duma chávena de chá.
(Quando te fervia para recuperar)
Ou no lixo que me esqueci de levar.
Perdi-te não entendo como nem quando.
Nos lençóis que não íamos trocando?

Afastei os móveis e espanei poeira (*)
Talvez te deitasses entre dois grãos.

E desmontei o sofá uma tarde inteira (*) E de lá provei todas as migalhas
(Migalhas de quando dávamos as mãos).

Procurei todas as frinchas (*) e falhas.

(*) E tentei ver-te dentro dum copo trancada
Porque os viravas sempre ao contrário

E estilhacei a porra do armário
À procura de um vestígio de rires
De rires com uma chaleira entornada
E com o fedor do lixo da cozinha
Quando te trancaste a dormir sozinha
Numa cama onde cabias na almofada.

Procurei-te em cada polegada da casa
(Como se não te quisesse encontrar
Eras uma miragem que o olhar vaza).

E agora que te suspiro anunciar
O teu futuro pelas folhas de chá,
Agora não há modo de te encontrar.
Antes, quando cansava e fugi de lá
Encontrava-te onde calhasse o olhar
Como se gigante trepasses o mundo
Aparecias no horizonte ao fundo.

domingo, 4 de julho de 2010

Tempo

Há qualquer coisa de belo em não fazer nada.
Em esperar porque raie o sol da madrugada
Deitado de costas na cave, no escuro.
Belo porque é como se o tempo a avançar
Fosse mais um passo em direcção ao futuro.
É como ler um livro para descobrir o fim
Febril, furioso, sem pausar nem desfrutar.

É gastar os dias como se gastam assim.

É como se o tempo que neste ócio se escoa
Fosse um buraco na madeira de uma canoa
Que há muito jaz no fundo do mar.

Tempo? Há tempo imenso, tempo demais.
Há tempo para procurar pinhas num cais,
Para procurar um navio no musgo dos pinhais.

Offside

Na verdade, tudo ia bem.
Corria, prado verde real,
Real como o sol também
A dar contraste às flores.
Corria sereno sabor sal
Pra te alcançar, esperavas.
E imaginava quantas cores
Haveria o cabelo que penteavas.
E corria de mim tão seguro
Que me aguardavas cantando,
Via a tua silhueta no futuro!
Via-te onde começava a floresta
Na orla de sonhar alcançando
Onde a dúvida dormia a sesta.
Pouco mais que quatro passos
Me faltavam pare te beliscar.
Júbilo em tão metros escassos.
Quando um ramo ergue uma bandeira
Amarela vermelha de estilhaçar.
Estava adiantado à clareira
No momento do sonho de passe.
Estava a ter-me à tua beira
Antes mesmo de te perguntar
Se querias que o amor te buscasse.
E corri sem saber onde vais.
Corri tarde, tarde demais.

sábado, 3 de julho de 2010

tac


tac.
tac.
tac.
(Entras estrela na sala
Como um relógio de corda
Como um gatilho a premir)
tac.
tac.
(Entras e vendo se cala
Pasmando sentada esta horda
Deleite ver-te a luzir)
tac.
tac.
tac.
(Estalam os saltos o ar
Estalam a tinta no tecto
Estalam cantando ecoar)
tac.
tac.
(Trazes o que é incorrecto
Lascivo, perigoso, encanto
Descobres desejo num santo)
tac.
tac.
tac.
(Vens de aura vestida
Aura do charme de fama
Camisa tigresa invertida
Saia de lençóis da cama)
tac.
tac.
(E longe intocável pareces
Andando em dois pedestais
Como cinema de preces
Brilho de actrizes astrais)
tac.
tac.
(Eu que te vi já de perto
Sei que és não bela demais
Mais que um felino desperto)
tac.
tac.
tac.
(Transpiras tão forte feitio
Mordaz de jamais moldar
Mudavas o curso de um rio
Se o quisesses atravessar)
tac.
tac.
tac.
(Nota-se, vaidade de olhar
Nota-se de ver-te a entrar)
tac.
tac.
(E eu vejo-te maravilhado
Por entre folhas que estudo
Vejo-te vislumbres de lado)
tac.
tac.
(Como se do teu olhar mudo
Fosse eu ser contemplado)
tac.
tac.
(Teu corpo curvo e esguio
De lento, lânguido andar
És que tu própria mais alta
Vejo-te e sei desejar)
tac.
tac.
tac.
(Mas por não sentir eu o cio
Vejo o que não te dão falta)
tac.
Vejo-te o lábio a tremer.
tac.
(Vejo-te a tu própria ser)
tac.
tac.