terça-feira, 1 de janeiro de 2013

L

Há um lago a montante
Onde luz a luz da lua.
Lendo livros do levante
Ondulando de turbante.

Mas um rio não recua.

E os leitos que passaram
São só lápides de lodo
São lugares que afogaram
Por percursos de outro todo.

São só lagos que secaram.

Há um lago de beleza
Onde as lendas são reais
Onde nasce a lua acesa.
Onde o mar não volta mais.

Era um livro de beleza.

E a água que lá dança
Lava o ler de alma boa
Guerra e paz e esperança
Ondulando uma leoa.

Mas o mar não volta mais.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tudo acabou bem

Havia um velho ditado
Ja tão velho quanto experiente
E nunca foi contrariado
De tão rabugento indigente.

Canta quem o tem contado
(Quem acrescenta também)
Que ele nunca foi terminado.
Que tudo está assim bem
Quando tudo acaba tão bem.

Mas nunca acabou alguém
Com boca para confirmar.

Entretanto o ditado morreu
Com a força do tempo a passar,
A pressa da cidade o esqueceu.
Terminou e acabou bem.

William, que suando o teceu
Não o pode voltar a criar.
William hoje vive bem.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Urso-do-deserto

Entrei na caverna da estivação,
Sou um urso do deserto.
Rasga-me os ossos o verão
E o sol de raios dilacerantes
Desfaz-me o querer a descoberto
(Perdi a pele num cacto presa).

Entrei na caverna da estivação,
Poupo miragens mirabolantes
De me ver a ter certeza.

E aqui ao fresco antecipo
O caminho que tenho a fazer
Com um oásis às carrachulas
(A água enfiada num pipo
E o tempo em que terei mulas
A andar e eu a merecer).

Porque o suor dá muito trabalho
Dá tanto como dobrar estas dunas
À procura de um simples carvalho.

Antecipo caravanas, colunas
De fiéis seguidores a seguir.
Um urso de peito inflamado
(O feito lá virá a seguir
Nas cascavéis de uma ovação)
Com peruca de pelo e de brio.

Espero sobreviver ao verão,
Escondido resistir a este frio.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ori

Qualquer feito que eu faça
Feito foi milhentas vezes
Mais milhentas por contar.

Visto invento a carapaça
Inventada tantas vezes
E ouso não a carregar.

Inventei assim o lar.

Já está tudo registado
Estão rochedos e corais
Pedaços da face da lua.

O que falta ser contado?
O que há para dizer mais
Que não se veja da rua?

Porquê ser o inventor
Da carapaça de pousar?

Nem quieto me vou por
Já um anónimo qualquer
Se lembrou de vegetar.

A ideia que Ele me der
Nem a hei-de já tentar.

Vou ficar na carapaça
A ver filmes que fizeram
A ouvir coisas que disseram
Enquanto a vida não me passa.
Devagar, sem o dar conta
Perco o gosto do que gosto.
Perco o norte e perco a ponta
Desta lápis por estrear.

Como um céu que foi deposto
A aprender a flutuar.

Perco o querer de ser um gosto,
De me chamar o que me agrada.
Já não sei que nome trago,
De onde venho, para que estrada.

E sou feliz sinceramente
Quer me seja negro o fardo
Quer clara tenha a mente.

Tanto dá que a guerra vença
Ou a paz na desavença.

Minha alma é indiferença.

E sentado, onde calhei estar
Sinto a terra que não pensa,
Que se pensa dá-me igual.
E se um garfo me falar
Se me amar um avental
Eu encolherei os ombros
Porque um garfo é só normal.

Passe um lápis a voar
Caso o lápis tenha ponta
Hei-de olhar sem ele dar conta
Hei-de querer o desejar
E encolherei os ombros.

Oh, já tão morto, morto estou!
Quem me tira destes escombros
De futuros que ruíram
E descobrem quem eu sou
Para eu saber quem viram?

Eu encolherei os ombros.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A creditar

As coisas sabem-me mal.

Correr sabe-me mal
E o suor não sabe a sal,
Sabe a podre e a cansaço.
Nem bem sabe um abraço
Sabe ao mofo de perder.
E até a água tem sabor
O de vazio, mal sacia.
Ao que me sabe viver?
Sabe a áspero, a um favor
Que faço e venho a fazer
De vazio, mal sacia.
A minha cama vazia
Sabe a uma cama vazia
Sabe ao mijo que perdia
Quando sonhar era ser.

Sempre fiz xixi na cama.
Agora assim cresci
E crescer não sabe a nada.
Nem dormir já sabe a cama.
Nem as coisas que já vi
Quando via escancarada
A vista por gostar.
Já nem o mijo sabe igual
Sabe pior, mas sabe mal
Sabe a não me importar.

Há tempos trinquei um limão
E cairam-me os dentes
(Nem notei, a dentição).
Se já nem cartas rasgo
Nem sorrio a queridos entes
Nem me sabe nem me engasgo;
Se já nem unhas tenho
Para roer pela novela
Que já nem me entretenho;
Nem tempo a esperar por ela
E morder-lhe ousar pescoço
Encher baldes diferentes
Para tentar descer um poço
Pra que é que quero os dentes?

Aliás, levem-me já também
O corpo que me deu minha mãe.
Assim não finjo que vagueio
De olhar posto no chão
A contar pedras do passeio
E a voltar confirmação.

Contar sabe-me a bolor.
O que me interessam os passeios
E quantas pedras há-de ter?
Fosse ao menos explorador
De passeios intrasponíveis
Como foi Brito Capelo.
Ai se eu me pudesse perder
Em esquinas mal possíveis
Com mapas brancos terríveis
E botas perecíveis
E mais rimas com íveis
Para que ainda me saiba pior
Imaginar-me Roberto Ivens.

Mas o que é que queres descobrir
A escrever dúzias de poemas?
Mais letras por ouvir?
A dona frase e seus problemas?
Querias escrever um romance.
Querias ser um narrador
Que mais durasse que um relance
E apertar a mão a Salomão
E sentares-te à sua beira
Indiferente se o tempo passa ou não.
Querias ser um narrador
Sem passar do Bojador, quanto mais dor!,
E sentares-te à sua beira
Sem uma ideia, uma maneira?
Um plim de uma ideia?
Nem uma estrofe bonita ou meia?

As coisas sabem-me mal.

Falta-me uma pitada de imortal,
Um épico em colher de chá!,
Falta-me um nadinha de lendário,
Falta tudo o que não há.
Falta-me ser um ser ao contrário
Para que alguém ao passar algum dia
Se lembre de me tirar uma fotogragia.
E a sopa espalhada no chão
Nem insossa nem magistral
É um jantar a água e pão.

Mas perdoem-me, meu senhores.
Eu fui talhado para gravar a história
Fui marcado para firmar a memória.
Sou da fibra dos avôs navegadores
Que quando se lhes acabou o mar
Escolheram içar as velas e saltar.

E saltando inventar
Especiarias, Adamastores.

Sou do tecido dos Argonautas
Carrego a cruz das cruzadas
Sou como as linhas das pautas
Escrever direito nas erradas.

Notas de harpas abençoadas.

E minha pele de Aladino
Saltando as noites mil e uma
Caso o meu dedo pequenino
Bata na esquina do sofá
Inchará, verterá espuma
Como a unha de um majará
Sangrará e cairá
Como unha qualquer uma.

(Perdi as unhas há muitas cadeiras)

Então e a matéria dos imortais
O tal éter das Evas primeiras?
Então as unhas dos sem iguais
Também traem a apodrecer?

Minha pele é Deuses ar
Do paraíso e puros frutos.
Mas não é de Deuses ar,
É por eu acreditar.
Mas não basta acreditar.
É preciso acreditar mais que cinco minutos
Depois de começar a acreditar.

1 DDCAA
2 DDCAA

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Planos rasgados

Ouvindo leigo um violino
Faria uma fabulosa sinfonia.
Mas surgia tango argentino
Seria uma lenda dançante
E Mozart já morto esquecia.
Assisti porém a desfilar.
Qual mais belo semblante
Mais que o meu fascinaria?
E um escritor que me escreveu
Coisas de me apaixonar,
Decidi ser Horácio e Orfeu.

Quantos tijolos primeiros
Deixei espalhados no chão
Projectos de palácios cimeiros
Plantas de cada dia mansão.

E ninguém me disse que não.
Foi ver os céus a arranhar
E pensar logo outro lar.

E tudo o que deixei atrás
Foram estilhaços, pedaços
Rastilhos de desmoronar,
Cimento seco, parcas pás,
Foi um caminho sem passos
Porque é preciso caminhar.

Deixei o lixo, o abandono,
Os pilares entre o betão
Deixei vontade, caí o Outono
As folhas secas de ilusão.

Nunca uma flor colorida
Nasce entre cinzas sadia.
Cresce uma erva partida
Mortiça a só fumo sorvia.

Porque navegar tanto diz
Se já de porto não sais?
Ò vida, que sejas tu feliz.
Eu já vou tarde demais.