segunda-feira, 31 de maio de 2010

GéneSIs

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"E disse Deus: Haja luz; e houve luz."
Iluminou-se brilhando o negrume
Rasgando-o um ruído que reluz
Do desembainhar de seu justo gume.

Nascendo lá longe o segundo dia,
Deus criou o céu, a terra e o mar
Os urros de um tornado, melodia
O balançar duma flor assobiar.

"Depois fez Deus os dois grandes luminares"
O maior nos havia orientar,
O lívido, reger a força dos mares.
Mal chegasse um, outro silenciar.

Soltou peixes desde as ondas ao fundo
Que se falassem por canções d'embalar
E pôs as aves a vigiar o mundo
Que avisassem em música o ar.

"Disse: produza a terra alma vivente"
E soou o tremor forte das manadas
O cantar de uma cigarra contente
Notas da voz de uma zebra sopradas.

No sexto dia, Deus desenhou o homem
E harpas afagadas por sua mão
Desenhou vozes que as palavras tomem,
A paixão pela tristeza dum refrão.

Ao domingo, Deus pôde sim descansar.
Deitou-se nos asteróides, sua cama,
Habituado era a não escutar
Mais que vácuo calado, raios gama.

E dormindo enfim escutou deleite
A maravilha porqu'havia moldado
O barro amorfo em um globo aceite,
Música, motivo deste respirado.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Cortz

Recolhes tão pouco discreta
Uma carta de cima da mesa
E aconchega-la quente na mão
Que ninguém vê nem detecta
Por se saber quais lá estão.
Tens a face corada e acesa.

*************

E pronto fazes o sinal
Sinal já sabido e esperado
Como que os dedos queimes.
Porque é óbvio e revelado
É inocente e natural,
Levantei-me e gritei "cames"!

Jamais ao jogo enganando
Viemos juntos ganhando.

terça-feira, 25 de maio de 2010

G

Naquela noite sem lua
Quando apontamos no céu
Nuvens com forma de tudo
(Deitada olhavas tu nua
O fumo branco de véu
Soprado contente mas mudo);
Perdeste-te vendo comigo
No labirinto que sabíamos ser
A porta do meu umbigo.

E juntos nas nuvens nos víamos
Ou só nos dizíamos ver
Remoinho do fumo prever
Aquilo quanto sorríamos.

Vendo céu negro nublado
As aves e subindo voar
O vento a vir sussurrar
Sinais de mim a teu lado.

Mas prever assim o porvir
É bom por saber que presente
Poderá não previsto assim vir.

Ler enevoado o futuro
Sendo ao futuro não crente
É só forma de o partilhar
São luzes brilhando no ar
Faróis de um corpo tão duro.

Duro este chão que dormimos
No momento em que vendo nos vimos.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Rancor, falta de culpa e dor?

...atolado em rancor
Que se o carro visse a passadeira
Tinha sido tudo outra maneira.

Rancor, falta de culpa e dor.

Mas por muito que as nuvens escondam
O céu sem que mais o respondam
Sem mais que os rugidos trovões
Atirando chuva, inundações,
Mesmo que seja a luz cinzenta
O tempo frio do vento a uivar,
Mesmo assim brinca o sol de brilhar
Atrás delas no seu leito magenta.

E mesmo que um carro atropele
As pernas sadias da esperança
E me arda combustível a pele
E me queime o imprevisto a visão
Das chamas que este azar lança
Ainda se prolonga esta estrada
Que eu levo em deleite escutada
E a sei como a palma da mão
Mudando em cada madrugada.

Mesmo que cubra o Inverno o jardim
Em era de branco onde é ordem morrer
É a plantar que a mim só me cabe
Encontrar os rebentos de ser florescer.

Rancor, falta de culpa e dor

Um carro não parou na passadeira
E eu não a pude atravessar.
E o autocarro que estava a chegar
Decidiu não esperar por mim
Comigo correndo à sua beira!

Sim, brancas listas sem fim
Tão perto e deixa-me aqui assim

E decidi célere telefonar
Para um táxi que me viesse buscar
Mas não tinha o telefone comigo,
Nem na mochila nem no umbigo.
Alguém mão leve mo tinha tirado.

E eu tão de susto como suado
Corri porque era a última vez
Entrei num café e implorando pedi
Uma chamada, no chão ajoelhado
Uma chamada, nem duas nem três.
O dono recusa e ainda se ri
Esfregando as mãos atrás do balcão.

Mas lembrei-me da minha carteira
E estendi-lhe dez euros que tinha.
Esfregando mão não disse que não.
Chamei um táxi que nunca mais vinha
Porque atravessou a cidade inteira.

E quando parou pra mim ao passeio
Eu já de alívio a ser suspirar,
Surgiu um homem de fato mas feio
Que entrou sentado no meu lugar.

E lá consegui, mas viram-me grego
Chegar ao lugar de horas passar
Onde uma colega me veio anunciar
Que eu acabava de perder o emprego.

E agora penso atolado em rancor
Que se o carro visse a passadeira
Tinha sido tudo outra maneira.

Rancor, falta de culpa e dor.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Panfleto

Ajude os doentes com sida!

Ajude-nos a travar o desastre
Ajude-nos a conseguir nova vida
E um penso decente no antebraço
Antes que a si também se alastre!
Custa só um café não comprado
Um vinho forte por um vinho fraco
Custa um banho menos demorado
Ou os trocos de comprar tabaco!
Ajude-nos a nós próprios ajudar
A comprar as seringas do cavalo
Para podermos cavalgar!

"Tens de ajudar, Gonçalo.
Tens de socorrer quem precisar
E apoiar e dar às pessoas o bem"

-Aqui tem.

Bocejo

Uaaaaaaa, quanto sono acordando.
Ruído remeloso do despertador!
Hoje deitar-me-hei mais cedo...
Acorda, tens de te ir levantando.
Levanta-te, dormi em cima do dedo
E está dormente, tens de te lavar
E vestir-te, estás pálido sem cor.
Os cereais têm sempre o mesmo sabor
Tu também nunca tentas variar!

Uaaaaaaa, tanto sono ainda trago...
Uaa... Merda, adormeci sem querer!
Basta fechar os olhos, logo apago.
É preciso levantar imediatamente
Ainda por cima tenho o dedo dormente
Levanta-te, já sabes o que comer,
Já é costume, outra vez atrasado
Tão alto o sol, como que mente
Sobre a rua e um camião lá parado.

Ahhhhhh, entra o sol pela persiana
Os raios pousam na roupa do chão
Sinal de ir o sol tão alto, vertical.
Mas são onze horas, outra vez não!
Não te levantas, o sono te engana,
Algum dia hás-de acordar pontual?
Um camião está a interromper a rua
O autocarro não passa, não faz mal.
É como se a culpa fosse menos tua.

Foda-se!! Não acredito que adormeci!
São onze horas agora, nem vale a pena
Nem vale a pena sair de casa agora.
É o sono, o destino que assim se ri
Algum dia chegarei sem demora?
Tanta roupa suja!, praí uma dezena
De cuecas que não cheguei a usar
De uma vez por todas, as vou limpar
Meio dia, sim, cereais, vou almoçar.


Uaaaa

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Escutarei eu

Ver-te, avô, sorrindo assim,
Ver-te as rugas do trabalho
E os calos de tempo ruim,
Ver teu rir tão natural
Qual admirar um carvalho
Qual memorizar um pinhal
Um espontâneo vivo rir,
Ver-te assim vendo a sorrir
E qu'importa o que há-de vir
Quando o sorriso é presente?,
Ver-te contente intemporal
É o mais simples, claro sinal
Que tens quem te siga em frente

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Só não te esq...

Um dia esqueci-me da cabeça:
Não a trazia ao pescoço agarrada.

Trazia-a na palma da mão
Apertada "que tal nunca aconteça".
E assim bastou-me uma olhada
Em bréu de redor sem visão
Para já nem a sentir na mão
Nem ver onde estava pousada.

Aberta o fecho correr do pescoço
Perguntei tacto passava um moço
Se não via nenhuma cabeça no chão
E ele vasculhava dizendo que não.

Agradeci sem sequer vê-lo.
Fui-me pela estrada à beira
De mãos tristes na algibeira.
E lá senti o meu cabelo!

Prisão

Por dentro trancado
Na cela onde moro,
O futuro lá demoro,
Para apagar o passado
Vejo os anos passar
Lentos como rastejar.

E quando ouso chamar
A alegria que esconde
É a parede e o ar,
O eco que me responde
Onde

Onde



Onde

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O apito irrompe num eco de três    O
Dividindo as cores das bancadas. O

Está terminada a fulcral final O
Que o pormenor se prepara há mês. X

Há alegrias gritando abraçadas O
De lágrimas que se contêm mal O

Do outro lado, tristezas deitadas X
Embrulhadas ao suor camisola. X

Para uma metade ser só rejubilar X
A outra parte é silêncio desola. O

E os louros que uns vão a mostrar O
Outros, de longe, só podem sonhar. X

terça-feira, 11 de maio de 2010

O primeiro de Janeiro

    Estou sentado à cadei   nto-me e compro os jornai
ra de palha De manta e ca s Que todo o dia eu hei-d
saco de malha E conto já e ler. É para que o tempo
pelas folhas que caem Qua não passe Sem que nele me
ntos Outonos de mim já nã levasse. Porque embora n
o saem. Levo já setenta e ão possa querer Ainda dar
dois Ou serão setenta e m meu contributo Pra ajuda
ais? E dias longos sou ap r a rodar este mundo Poss
enas Meus jovens netos cr o sim enfiar-me nele Sabe
escendo As alegrias dos o r o que há novo cada minu
utros vivendo A calma às to Lê-lo outra vez todo o
memórias q'acendo Quantas segundo. Posso ainda enf
folhas voando quais penas iar-me nele. E assim, com
De anjo descendo o caminh uma manta enrolada Às pe
o Que hei-de subir, não s rnas, uma já quebrada Con
ozinho. São cerca de sete tinuo a correr a avenida
nta e duas Ou serão antes Que lá em baixo vejo cres
setenta e mais? Tão monót cer. Já nem lhe vislumbro
onos dias, são luas Novas a saída E ainda a contin
a horas matinais. E leva uo a conhecer.

Meduterânio

Navega aventura uma nau
Com carga de especiarias
Não pra vender mas pra dar
Mesmo que o mar seja mau
Atlântico correntes frias.

Porque sempre se alcança
Quando é forte o remar.

Mas pra passar Gibraltar
Há-que erguer a bonança.
Deixar os lábios falar
Um o fundo de Espanha
Outro d'Àfrica o cume
E a entrada se ganha,
Só sabendo escutar.

Depois são ondas de lume
De tão belo prazer
Que é para trás e diante
Para nunca o perder.
Vão as ninfas cantando
Em águas rosa diamante
Já a Sardenha roçando
Muito em grego gritando.

E pousamos mercadoria
Em ilha perto da Turquia.

Barquinhos brancos à vela
A levarão calma a descansar
Pelo istmo a atravessar
Dos três impérios capital.

Encontrarão uma caravela,
Passado o colo ao negro mar
Alva, encantadora, circular
E o primeiro que lá chegar
Só ele será o barco içado
Só ele provará o outro lado
Em troca do puro açafrão.
Dois cozinharão em comunhão.

Atracarão em porto costeiro
Qualquer um por aquele mar.
E armando aí o seu estaleiro
Com madeira junto à mãe
Quem há-de vir a navegar
Aí crescerá afecto, tão bem!

domingo, 9 de maio de 2010

Que engraçado.

  Que ninguém lhe podia chegar.   Puxá-la, deleite emoção
Em tão alta prateleira Logrei agarrar-lhe na asa
Um sonho que cria guardei Era a ponta dos dedos pó.
O mais que sentia dele só
Não o conseguia alcançar
De, persistência, realizar
Pra lhe arranjar maneira
E quando dele me lembrei



Mas como um eco que vaza
Ouvi-o e st ilh aç os n o c hã o.
Um riso desgosto, insano.
Enrolei os pedaços num pano...

sábado, 8 de maio de 2010

Aladino?

Quando eu era pequenino
Andei na areia a procurar
Na areia das obras ao luar
A lâmpada d'ouro de Aladino
Porque era bom explorar.

Não pra realizar o sonhar.
Disso eu não precisava.

Mas quando a via enterrada
Ou brilho entulho espalhada
E, rindo, logo a esfregava
Nunca o génio aparecia.

Enterrava-a no meu jardim
Com as outras e a esquecia.

Oh tropecei numa coisa assim
De novo, num dia já crescido
Caminhava na praia entretido
A deitar o sol no horizonte
A planear o percurso da ponte
Que me havia de lá levar.

Sonhava tanta coisa diferente
Corria bêbado pra onde calhar.

Escavei a areia e lembrando
Poli a lâmpada à camisola.
E o génio surgiu anunciando
Com seu rugir de maré
Que faria do mundo uma bola
Pra eu chutar com meu pé,
Que me daria quereres três
Mas que só mos daria uma vez.

Sentei-me, dias, a matutar.
O génio impaciente esperar.
Só mos daria uma vez.

E decidi-me, vendo as gaivotas.
Que se fosse o génio embora.
Queria provar as derrotas
Qual futuro, eu queria o agora.

De que valia ser um pintor
No trono da imortalidade
Se nunca um quadro pintara
Se não lhe sabia o sabor?
Pra quê ser de imóvel idade
Se a morte me era tão rara
Que não me obrigava a viver?
E pra quê ter o dom de escrever
As regras e leis do universo
Se nunca gostara de um verso?
Pra que chegar ao fim de uma estrada
Sem ter visto o sol a crescer
Brilhando na brisa de um arvoredo?
Sem ter visto a floresta molhada,
Ter ouvido o orvalho a nascer
Se ainda falta tanto, é tão cedo?
Vale a pena o fim da estrada
Sem de paisagem recordar nada?

Por isso pedi ao génio para partir.
Se eu quero o horizonte, armo uma jangada.
Sou eu que tenho de lá ir.

terça-feira, 4 de maio de 2010

"Gaivota pura e leve"

Seria como uma gaivota sem asas
Sem saber onde era o mar.
Seria ave viagens rasas
Sem cantar ou saber escutar.
Seria fugir às ondas, ao vento
À procura de um só assento.
Seria o medo de afogar
Porque prende a solidão
O medo de nunca chegar
Por não haver razão.
Seria voar mais depressa
Sem ter visto o caminho.
Seria noite não cessa
Porque o sol não vem sozinho.
Seria a morte dos sorrisos
E os rostos vazios, lisos.
Seria trancar o parado momento
Nas alas escuras do pensamento.

-Seria, mas não é.
Porque as gaivotas sozinhas não voam
-Voamos cantando e brincando
Para que as nuvens não doam.
-E partilhamos o azul da maré
Que vai crescendo e recuando
E isso nos vamos ensinando.
-E quando uma fica para trás
Porque rir dói na barriga
Todos voltamos atrás
-Porque a alegria é nossa amiga.
-A alegria que tem asas tão belas.
-E o caminho que juntos levamos
Para o horizonte, por cima das velas
Tem sentido porque o contamos
O esforço cantado a uma voz
A voz que é de todos nós.
-E assim, um dia ainda distante
Vendo um álbum de fotografias
As páginas não vão estar vazias
Cheias de monólogo constante.
Vão ter o cordão e os umbigos
De uma vida que foi alegrias.

Porque amamos amigos.

domingo, 2 de maio de 2010

Heartattack

Do outro lado da estrada,
Uma festa de dança.
Lá, algures, agarrada
Te perdes sem cobrança.

E eu, doutro lado,
Ouço o tão baixo pesado.
Tem tempo de pulsação
Violenta, acelerado.
E o eco infalível vem,
Sístole imitação.
Ouço-te cair, meu bem.

O som que bate em mim
É esforço teu coração.
Aplausos e é o fim.

sábado, 1 de maio de 2010

aA

Uma menina bonita
Contanto ainda a idade
Pelos dedos da mão
Escreveu seu nome Anita
Em um espelho de pó.
Pra pintar a sujidão.
E não mais a eternidade
A deixou a ela só.

E mesmo um pano passando
Lhe espanasse o escrito,
Lhe apagasse tal mito
Nunca magoava o lembrando.

Mesmo que muito esfregado
Não se desmancha o passado
Se não se o orgulhar.

Quando agora lá voltar,
Ela já décadas na mão
Não são cacos que vai ver
Que lá realmente estão.
É a Anita a escrever
Um dia recordação.