domingo, 21 de março de 2010

 Um padeiro atropelou
O pobre juiz na passadeira
Diz-se que era a bebedeira
Que viu e nem parou
Um empregado deixou
De propósito o forno aceso
A filha do padeiro tombou
Por azar, o pé preso
As pequenas magras crianças
Não tinham o que comer
O padeiro tinha meses a dever
Já não tinham poupanças
O menino chegou a chorar
Um colega pediu-lhe pão
E ele não lho quis dar
Ficou esmurrado no chão
A contínua dos recreios
Chorava na casa de banho
Seu irmão pobre, sem meios
Não declarava os seus ganhos
O meritíssimo juiz
Não ouve o que a família lhe diz
Declarou o homem culpado
Ele que nunca tinha roubado

Previsão

Primeiro deixei de querer
Lento como uma constipação
Deitado de dia na cama.
Depois deixei de entender
Que me pediam para levantar
Esquecia-me até de olhar,
Não sabia como se chamava
A rua onde morava.
Depois já nem pensava,
Nem sabia ser.
Deitado, já podia morrer.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Rosa dos ventos

Sumo de esmeralda

Há tempos tão distantes
Numa tarde de Verão
Sem datas relevantes
Brincava eu aos assaltantes
E decidi escavar o chão
Para esconder o tesouro
De moedas tão ricas
Que roubara ao Rei Mouro
Um punhado de caricas.

Encontrei lá o fundo
De uma garrafa partida.

O chão, cresci, é imundo.
O tempo hoje é tão caro,
Não vou escavar a avenida
Para encontrar, reparo,
Uma esmeralda esquecida.

Guerra

Houve uma grande guerra
Que ficou cinco a zero.
Deixou por terra
O que ao país quero,
O domínio e o rei.

Mas eu não participei.

E se eu tivesse lutado,
Ocupado um lugar vazio
Da frente do nosso lado?
Se mais um soldado
Fosse o que faltava
Para completar a trincheira,
A trincheira que faltava
Para uma unidade inteira,
A unidade que chegava
Para completar a armada,
Não seria a derrota mudada?

E se os gritos que urraria
Despertassem camaradas
E se a ajuda que prestasse
Lembrasse a alegria
Às tropas desamparadas,
Teria outro desenlace?

Perdemos quatro a zero.

terça-feira, 16 de março de 2010

Ardem-me os braços.
Tinha poucos espaços.
Carreguei a vaidade
De um sonho pesado,
Fiz força da vontade
Muito tempo seguido.

Agora assim cansado
Nem querer vejo a meu lado.

Sonho vogal

De hoje em diante
Levarei mundial avante
Pelas formas fenomenais
Como escrever só com vogais.
A tanto esforço e tanto crer
Assim sei que vai ser:

Obrigado amáveis admiradores!
Estragam-me em afabilidade.
Anseei anos alcançar isto,
Este emprego à escrita,
O amo, é inato ao eu,
Está espelhado identidade,
Eurico Alves Ulisses.
A inflexibilidade em abrandar
Empurrou-me até aqui.
Ainda assim, em espaços arde
Ao organismo, é essencial pausar
Um intervalo ajuda a andar.
Outro intervalo faz é bem.
Importante é estar fresco
E assim alegre avisto
Argutamente o que mais quero.
Só não podem as pausas
Tornar-se a regra do dia.
A força de vontade é fácil,
Apoiada às imagens éden,
Se Pensarmos No Que Tanto Queremos

domingo, 14 de março de 2010

1 mensagem recebida

E se eu amanhã acordasse
Inebriado de ter ouvido
Folia que não passe,
Pela vez primeira,
Tanto tempo passado,
Que até me tinha esquecido
Que o sonhava noite inteira,
A cor dessa voz
Para mim alvejado,
E de novo despido
Me lembrou de querer nós...

Ah, se eu acordasse amanhã
Com o som de uma mensagem
Que me atirasses pela janela
Tão cerrada, tão vã,
E visse o nome da tua imagem
No correr das cortinas.
A manhã seria bela
Incrédula, leviana

Vigiando atento o visor
Não muda imóvel de cor.

Vou dormir.
E esperar que ao acordar
Me doa a barriga a rir
Do que bebado despertar

Zzzzzzzzzzzzzzzzz
(que horas serão?)
Zzzzzzzzzzzzzzzzz

sexta-feira, 12 de março de 2010

Chucky

Senhor Pai Natal,

Aquando do meu fabrico
Penso ter sido feito mal.
A voz que deveria falar
Só fala quando replico.
Não diz palavras queridas
Como suposto ao embalar.
Está escrito nas instruções
E não é voz de canções,
É voz grossa de feridas.

Quando devo caminhar
Por ter uma pilha nova
Corro para um canto só,
Atropelo a quem passar,
Sem cuidado nem dó
E também isto é prova
De que não estou acabado
Como estava programado,
Por meu sozinho prazer
O meu sensor deixar de ser.

Sou um nenuco normal
De imagem angelical
E olhos azuis claros,
Pele suave e real,
Sou dos bonecos mais caros,
Para ensinar a bondade
Em tão breve idade.

Mas no meu interior
Construíram ao contrário.
Porque desprendo a dor
Em vez de dar amor.
Dentro do armário
Rasgo os outros brinquedos
Sem razões nem enredo.

Eu que fui feito para ajudar,
Espontâneo a magoar.

E já ensinei a menina
Todas as asneiras.
Ela, tão pequena,
Esctuando histórias de terror.
Tirei-lhe até a vista
De plástico sem estribeiras.
Sou um boneco egoísta
Por querer ser um senhor.

Por ser um brinquedo ruím,
Só querer saber de mim,
Para que não hajam mais estragos,
Recolha-me desfeito.

Troque-me por um direito
Os portes eu pago-os.
Muito lhe agradecia.
(Estou na garantia)

quarta-feira, 10 de março de 2010

Gonçalo diz (20:40):
Olá
Gonçalo diz (21.10):
Vamos sair hoje à noite?
Gonçalo diz (21.11):
Como tinham dito...
Gonçalo diz (22.00):
Onde estão todos?
Gonçalo diz (23.27):
Não incomoda o silêncio de casa?
Gonçalo diz (00.02):
A mim incomoda-me muito
Gonçalo diz (00:03):
Estou mortinho por conversar
Gonçalo diz (00:03):
Ninguém?
Gonçalo diz (01.24):
Não há ninguém que não tenha sono?
Gonçalo diz (01.57):
Estar sozinho é mesm horrivel
Gonçalo diz (02.36):
Costumam ter medo de noit?e
Gonçalo diz (02:36):
*noite
Gonçalo diz (04:09):
Gostava tanto de falar com alguém
Gonçalo diz (04:10):
Era um alívio
Gonçalo diz (04:45):
Gostava mesmo de passar lá por alguém
Gonçalo diz (04:45):
E poder dizer mais que olá
Gonçalo diz (04.47):
mas o q falta afinal?
Gonçalo diz (05:24):
ha alguem que precise d um amigo?
Gonçalo diz (05:25):
Neste altura, vou ser o mlhor amigod e sempre
Gonçalo diz (05:40):
PORQUE E QUE NINGUEM RESPONDE?
Gonçalo diz (05:41):
TOU-ME A PASSAR, EU NAO FIZ NADA!
Gonçalo diz (06:05):
Esqueçam
Gonçalo diz (06:05):
Que se fodam.
Gonçalo diz (o6:44):
n8tugnhunhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
Anúbis diz (12:34):
Gonçalo, estás aí?
Sou um cabrão.
Todos sabem e eu não.
Passo o tempo a admirar
Meus cornos ao espelho
A sorrir e a tragar
Um sumo vermelho
Que não sei de onde vem
Quente, sabe bem.

Que inocente ser
Me vejo reflectido
Cascos de balido
E garras pra escrever.
Sou um cabrão.
Eu sei mas não.

terça-feira, 9 de março de 2010

Porta?

Havia uma casa discreta meu clamor
Onde não ousava sonhar-me cativo
Por não me julgar o simples merecedor
De mais que a rua onde não dizia "vivo".

E rondava do por da noite ao dia
Não à espera da porta que não abria
Mas para acrescentar ao desejo fantasia.

E então os soalheiros gira-sóis à varanda
Acenaram sorrindo e de serenas maneiras
Pediram-me em pólen para entrar pelas traseiras
E eu entrei como a alegria bem manda.

E tempos dourados cantando ousei
Pelos quartos do sol que encontrei.

Mas porque desvendar não vem sem fim
As paredes foram estreitando a mim
E o ar começou a não chegar
E vi pedaços por pintar

Até que tornou uma cela
Via à luz da vela
Queimando aceso
Só, preso

Abandonar?
Desabar
A prisão
Afeição.

E queria fugir mas não queria partir
O lar que me convidara a sorrir.

E fiquei.
Quando, anos corridos, se destrancou uma porta
E a luz liberdade entrou outra vez
Olhei
Já a coluna era torta
E as pernas mirradas
Um velho sem tez
Nem tempo nem querer
Nem esperanças tardadas
De tornar a viver.

Sequência

Bocejo
De dias que não terminam
Foram tão curtos
E as horas que não passam
Porque as deixo vazias
Ardem os olhos
Sem nada para ver
Que a previsão esperançosa
De um dia seguinte
Gémeo
Bocejo


Bocejo
De dias que não terminam
Foram tão curtos
E as horas que não passam
Porque as deixo vazias
Ardem os olhos
Sem nada para ver
Que a previsão esperançosa
De um dia seguinte
Gémeo
Bocejo

sábado, 6 de março de 2010

I'm only havin a laugh


Sim, tento manter a compostura.
Mas o castigo da consciência
A pesar-me ao pescoço e a puxar
A cabeça já mal segura.

Quero manter a compostura.
E a corcunda de demência
Escondida no rastejar.

Tento manter a compostura.
Fere-me o frio das feridas
Das "desculpa" pedidas
Quando mas fugindo rasgaram.
São memórias que não saram,
Tento manter a compostura
De mangas de sangue manchadas.

Terei eu sido facas afiadas?

Tento manter-me direito.
Peço desculpa às paredes
Para que curvem comigo
E arde-me o pulso desfeito
Perdão, não queria raspar em vós
Vós que sem olhos não vedes
Que o meu passar era amigo.

Tento manter a compostura.
Porque se os erros ao tropeçar
Assombram a noite no escuro
Os erros de uma rasteira
Não deixam a manhã chegar.

Ahhh, e é uma vida inteira
A procurar o que descuro.

Tento manter a compostura
E o que às costas carrego
Pesa mais porque é o ego.

Tento manter a compostura
Quero manter a compostura
Queria manter a compostura
Tento manter a compostura
Mas porquê?
A rua mal se segura.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Chamo-me sol

Telefonei à minha avó
Para aceitar viajar com ela
Mas ela já tinha cancelado.
Não poderia guiar a vela
Ela no mar só.

Então tornei a ligar
Com o atraso de me desculpar,
Tão tarde que já tinha morrido.

Abracei a minha mãe
Para afastar a tristeza
E sorrir de novo o bem
Mas a casa já estava vazia.
A luz que deixou acesa
Chegou-me tão tardia.

Tentei então escutar
O que grita a minha irmã
Mas ela não se lembra de mim.

E quando chegou a manhã
Falei ao sol assim
Já ele estava a pousar.

Avó, estive a pensar
Só me dedico à gente
Que me ampara incessante
E quero ir contigo
quando me vejo precisar
De um consolo quente
Sei que estive ausente
Quando canso de olhar
A ponta do umbigo.

Avó...??

Vivendo só comigo
Só a isolada dó
Me lembra quem me amava
A luz não desligava
Quando eu ainda existia.

Sou o teu irmão
Aquele que há muito não te via
As pessoas não são plástico
Deixar a um canto no chão
Sou o teu irmão João
De um quarto fantástico

Olá, céu esfera chamas.
Como te chamas?

As pessoas não se querem compreender

Eu não te entendo
Ai não o vendes nada
Vou falar com o advogado
A sua mulher é dada?
Dado é o senhor
Ouça, fui mal interpretado
Saia se faz favor
Venho fazer queixa
Quem é que não o deixa?
Foi só por má fé
O pé parece-me normal
Animal, ora esta, animal!
Porque não me entende
Porque me prende?
Não falamos todos a mesma língua afinal?

quarta-feira, 3 de março de 2010

Naufrágio





Pai,
Hoje naufragou um navio
E tu ainda não voltaste.
Esperamos à mesa a beber
As lágrimas do mar que te levou
Ninguém sabe para onde, pai.
Estamos à tua espera para comer.
Há um cobertor para te secares
Caído na tua cadeira vazia
Mas não vais voltar, pois não?

Pai, os rugidos dos relâmpagos
Arrancam-nos o peito e as portadas das janelas
A mãe ainda ve esperança nos relâmpagos que rasgam a noite
Esperança era o nome do teu navio.

E agora, debaixo de que onda voas, pai?
Estás perdido em que rochedo?
Dói pai?
Descobriste a Atlântida?
E o cobertor tão enrugado
Seco da falta que fazes
Aqui a navegar em terra firme.

Pai?
Pai és tu?
Voltaste?
Pai, está a parar de chover.
Pai, vem sol das frinchas da tua porta!
Cheira à saudade do teu cachimbo!
Pai, és tu? Pai, vou entrar...

Foi o vento.
Foi o vento que atirou com a porta
Contra a parede de eu sonhar
AS imagens do teu regresso.
Morreste.
Foi a rapidez de um estilhaço
E agora ficaram as redes penduradas
Nos escombros da frente da casa
E as roupas que tinhas no quarto
Estão comidas pelas traças da memória.
Lembras-te dos barcos que me ensinaste a fazer com o papel de jornal?
Agora deixo-os na praia
Entre a tempestade que não parou
Porque a saudade também não para.
Só para que saibas
Que as almas e o que cá deixam não se extinguem nunca.

Mas pai, tu domavas o mar e calavas as ondas
Paravas os ventos com as palmas das mãos
Sabias o caminho, contavam-te os búzios
Sabias saltar entre as anémonas, por cima das nuvens
Porque é que não voltaste, como todos os dias
Quando trazias as historias no cesto?
Porque é que hoje o relato o conta a fúria dos trovões
Pai, o mar sai do leito, o mar galga a terra
As telhas arrancam sem voz que as segurem
Pai, a chuva é o diluvio de hoje
Pai, são barcos de jornais

Porque é que choves?

Menos com menos

Se os sonhos só servem para guiar
E não para encontrar realmente
Então, já que não vou lá chegar
Vou sonhar que sou sonhador
Algo a que não chegarei rente.
Assim, posso tocando sente
Todas as coisas como o amor
Coisas sem que só se podem falar.

Se sonhar que sou sonhador
Os desejos tenho onde os pôr.

foda-se

Varre o vento as ruas
E chove
Calando o silêncio desta noite escura.
Chove horizontalmente
Como a luz dos candeeiros.
Escorre nos reflexos dos vidros.
Tudo tem tantas sombras
Porque há iluminação em todo o lugar.
Os carros, janelas aleatórias dos prédios
Os candeeiros.
Ninguém passa na rua,
Está muito frio
Frio de arrepios.
Pelo vidro da janela
Os olhos desfocados
As luzes são sementes de dentes de leão
E esvoaçam redondas
No sopro do inverno
Pela violência do vento.


Quando chove a vida é triste.
Os sonhos esvaziam
Não há guarda chuva para eles.
Quando chove e só se pode
Ficar a ver e ouvir
A humidade é melancolia.
O que se faz aqui
Esperando,
Esperando o quê?,
Atrás da janela?

Esperando o quê?

Se sempre que chove
A mágoa transborda
Das margens do rio Recordar
Afluente do Desesperança, afluente do rio Vazio
Se sempre que chove
Sobem as àguas revoltas deste mar
Porque é que chove?

Porque é que vejo chover?

Os charcos de água baça
No chão do passeio
No chão da estrada, no chão do caminho
Qualquer que seja o caminho
Enchendo canteiros, enchendo quem passa
Os charcos furados, adagas do céu
As pessoas que trepam, que molham, que salpicam
A chuva cai em todo o lado
A chuva não devia cair em cima dos charcos
Nem em cima do mar.
Nem do recordar nem da desesperança
Nem do vazio.

Em cada passo
Salta água com bolhas de terra.
Guarda-chuvas. Impermeáveis.

São os sussurros desespero da chuva.
É o grito amargura do vento.
E as árvores abanam, os galhos naufragam
Eo tronco tormento.
É o urro da vida.
Para quê? Pergunta o vento à chuva
Para quê? Pergunta a chuva à noite
Para quê? Pergunta a noite às estrelas
Mas as estrelas estão tapadas.
Chora a chuva
Uiva o vento.
Para que é que isto serve?

Ninguém sabe,
Os pés caminham por nós.

A chuva não sabe porque é que cai
O vento não entende porque é que sopra.

Estou farto de esperar.
Farto de ver ser
Farto de que trovoe nas coisas
Sem que trovoe em mim.
Saio daqui, desço as escadas
Dispo-me na rua
Corro saltando
De charco para charco como nenúfares.

Mas a corrente leva-me...
O vento esmaga-me.
Não se pode viver as coisas.

terça-feira, 2 de março de 2010

Escondido auto-retrato

Leis sigo só à natureza
Empolgado pelos sabores
Rei na minha riscada mesa
Que homem Dezembro cores
Unto nos cascos Cabra-neve

Acreditando estas asas
Ruas que constelação leve
Trocam Quartos fora das casas
Ao Trópico d'Inverno ilhas
Sabe a música a vida
Lá ávido de maravilhas
E trepo a Moreira lida
Terraço desta Azul sina

Ré eco querer acudir
A poeira após ruína
Saturno do tempo porvir