quarta-feira, 3 de março de 2010

foda-se

Varre o vento as ruas
E chove
Calando o silêncio desta noite escura.
Chove horizontalmente
Como a luz dos candeeiros.
Escorre nos reflexos dos vidros.
Tudo tem tantas sombras
Porque há iluminação em todo o lugar.
Os carros, janelas aleatórias dos prédios
Os candeeiros.
Ninguém passa na rua,
Está muito frio
Frio de arrepios.
Pelo vidro da janela
Os olhos desfocados
As luzes são sementes de dentes de leão
E esvoaçam redondas
No sopro do inverno
Pela violência do vento.


Quando chove a vida é triste.
Os sonhos esvaziam
Não há guarda chuva para eles.
Quando chove e só se pode
Ficar a ver e ouvir
A humidade é melancolia.
O que se faz aqui
Esperando,
Esperando o quê?,
Atrás da janela?

Esperando o quê?

Se sempre que chove
A mágoa transborda
Das margens do rio Recordar
Afluente do Desesperança, afluente do rio Vazio
Se sempre que chove
Sobem as àguas revoltas deste mar
Porque é que chove?

Porque é que vejo chover?

Os charcos de água baça
No chão do passeio
No chão da estrada, no chão do caminho
Qualquer que seja o caminho
Enchendo canteiros, enchendo quem passa
Os charcos furados, adagas do céu
As pessoas que trepam, que molham, que salpicam
A chuva cai em todo o lado
A chuva não devia cair em cima dos charcos
Nem em cima do mar.
Nem do recordar nem da desesperança
Nem do vazio.

Em cada passo
Salta água com bolhas de terra.
Guarda-chuvas. Impermeáveis.

São os sussurros desespero da chuva.
É o grito amargura do vento.
E as árvores abanam, os galhos naufragam
Eo tronco tormento.
É o urro da vida.
Para quê? Pergunta o vento à chuva
Para quê? Pergunta a chuva à noite
Para quê? Pergunta a noite às estrelas
Mas as estrelas estão tapadas.
Chora a chuva
Uiva o vento.
Para que é que isto serve?

Ninguém sabe,
Os pés caminham por nós.

A chuva não sabe porque é que cai
O vento não entende porque é que sopra.

Estou farto de esperar.
Farto de ver ser
Farto de que trovoe nas coisas
Sem que trovoe em mim.
Saio daqui, desço as escadas
Dispo-me na rua
Corro saltando
De charco para charco como nenúfares.

Mas a corrente leva-me...
O vento esmaga-me.
Não se pode viver as coisas.

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